Desabafos
Talvez… Talvez por fraqueza caro colega, talvez por fraqueza te abra hoje o jogo e te diga tudo o que sinto, tudo o que me vai por dentro. Porque nem todos os dias somos fortes, e porque por vezes precisamos desabafar caro colega, hoje desabafo contigo…
Nunca fui muito dado ao desconhecido, ao irreverente, às luzes da ribalta, aos papeis principais, à liderança, à revolta, à luta, à ousadia…
Pelo contrário… Sempre gostei de ser discreto, de escolher muito bem os meus caminhos, de seleccionar e dar ouvidos a bons concelhos, de viver e de me rir das histórias de vida dos outros, das loucuras dos outros, da irreverência dos outros, de basicamente me alimentar das experiências dos outros, daqueles que me rodeiam e que formam aquele circulo mais apertado. Preocupado fundamentalmente em me reger pelas regras e pelos melhores princípios, e sobretudo em certificar-me sempre de que piso chão firme quando dou um passo, de que jogo sempre pelo seguro, para nunca me arrepender de nada do que faço, chego nesta altura, caro colega, à triste conclusão de que me arrependo de não ter vivido mais… É verdade que vivi, mas queria mais. Talvez para isso fosse necessário que tivesse tido a coragem de quebrar algumas das regras que me impus, que tivesse contrariado alguns dos princípios pelos quais me rejo e sempre me regi, talvez devesse ter flexibilizado esses mesmos princípios… Não sei… Talvez…
Também não vivi pouco é verdade… Considero-me boémio e bon vivant na verdadeira acepção da palavra, ou não fosse eu um estudante de Coimbra. Mas queria mais.. não sei… Hoje sinto que perdi algumas coisas que não queria ter perdido.
Mas em mim sempre viveu o sonho de marcar de alguma forma o meu tempo. De fazer algo grande, pelo menos maior que eu, e penso que em cada um de nós vive esse sonho. Mas a descrição que tanto gosto e de que não abdico limita-me as opções, depois a pessoa comum que sou, tão igual a qualquer outra, faz o resto e acorrenta esse sonho.
E já que fui invadido por uma maré de franqueza, e de sinceridade, continuando a desabafar, com o tom de voz de um derrotado, que amanhã será diferente, contar-te-ei também o que sonho eu…
Pois bem, arrependido que estou, quero agora então lutar por algo que considero grande, por uma Academia mais forte e mais unida, isso para mim seria grande (e na verdade, talvez seja tão maior do que eu, que é provável que não o consiga realizar). De uma conversa (com Adriano) surgiu uma batalha. Surgiram também aliados como Ary, Zeca, Aristides e nestes te incluis tu. E sonho que nos uniremos todos, e que faremos renascer uma Academia que sempre foi unida, e que constitui um todo de enorme valor, e com uma força infindável. É com isso que sonho.
Mas sonho mais… Em relação ao Processo de Bolonha sonho que nenhum estudante de Coimbra pague 1500€ nos últimos dois anos de curso, para que desse modo possa ter acesso à profissão que escolheu. Sonho que as cantinas não serão privatizadas, como diz o boato (e designo-o por boato porque é informação que não obtive de fonte fidedigna). Sonho que nenhum estudante deixe de estudar porque a família não pode suportar os custos de um curso superior. Sonho que nenhum estudante tenha que recorrer ao crédito para estudar. Sonho que esta Academia volte a ser vista como uma Academia combativa, defensora de direitos indispensáveis, protectora de quem representa e merecedora de respeito e de prestígio, e que esses sejam reconhecidos por toda a gente. Sonho que um dia, eu e tu lutaremos lado a lado, gritando slogans, não contra o Processo de Bolonha, mas contra os defeitos do Processo de Bolonha, e os prejuízos que nos trará. E sonho que a partir daí, tendo já consciência da nossa força, lutemos sempre que nos tentem retirar direitos de que não podemos prescindir. Sonho que quando houver uma manifestação de estudantes, essa não seja nosso tema de conversa banal e que nós não as desprezemos e as critiquemos muitas vezes sem fundamentos. Que cada um de nós lute pelo todo e não que uma pequeníssima minoria do todo lute por cada um de nós. E se isso não acontecer em relação ao Processo de Bolonha porque não consideras que esta seja uma guerra com fundamento, então que aconteça quando vires que te estão a ser retirados direitos, e quando vires que estão a ser retirados direitos a outros como tu. Se esta não for a tua luta, pelo menos que lutes quando achares necessário.
Penso que este era o meu maior sonho… Ver a Academia unida. Se não for contra o Processo de Bolonha, que o seja quando tiver que ser…
Na tentativa de que me compreendas melhor, deixo-te mais um poema de Pedro Barroso sobre os nossos sonhos:
“Cada um de nós nasce
Com um artista lá dentro
Um poeta, um escultor,
Um aventureiro, um cientista,
Um pintor, um arqueólogo,
Um estilista, um astronauta,
Um cantor, um marinheiro…
E o sonho e a distância
E o tempo e a saudade
Deram-nos vida, amor, problemas,
Mentiras e verdade,
E damos por nós mesmos
Descobrindo que agora se calhar,
Já é um pouco tarde…
E nas memórias velhas e secretas da menina
Morou sempre aquele sonho de um dia ser
Bailarina, actriz, modelo, princesa, muito rica, eu sei lá…
Mas os anos correram num assombro,
E a vida foi injusta em qualquer jeito
Para a chama indelével que ainda arde,
E os filhos… são bonitos no seu peito… Pois é…
Mas agora, agora já é tarde…
E nos papeis antigos que rasgamos
Há sempre meia dúzia que guardamos
São os planos da conquista do Pólo Norte
Que fizemos aos sete anos,
Escondidos no sótão uma tarde,
E estiveram perdidos trinta anos,
E agora, se calhar, maldita sorte,
Por desnorte, acaso ou esquecimento,
Alguém já descobriu o Pólo Norte,
E agora, agora pronto, agora já é tarde.
Há sempre nas gavetas escritores secretos,
Cientistas e doutores,
Desenhos e projectos construtores,
Feitos em meninos,
De tudo o que sonhámos fazer
Quando fosse a nossa vez…
Cientistas em busca de Plutão,
Arqueólogos no Egipto,
Viajantes sempre sem destino,
Futebolistas de sucesso no Inter de Milão!
E o curso da vida foi traidor,
E o curso da vida foi cobarde,
E o ciclo do tempo completou-se,
E agora, agora pronto, paciência,
Agora já tarde…
Agora é tarde,
Emprego, casa, filhos muito queridos,
Algum sonhar ainda com os amigos
Às vezes sair, beber uns copos para esquecer,
Ou para lembrar, e fazer ainda um certo alarde,
Talvez para esconder, ou para abafar,
Como é já tão demasiado, e tão impiedosamente tarde.
Mas não, não!
Nunca é tarde para sonhar.
Amanhã partimos todos para Istambul, Vladivostok,
Alaska, Oslo, Dakar,
Vamos à selva a Timor
Abraçar aquela gente
E às montras de Amsterdam,
Que eu afinal também não sou diferente…
Chegando a Tokio são horas de jantar,
E depois temos que voltar a Bombaim,
Passando por Macau e Calcutá,
Que eu encontro Portugal em todo o lado,
E mesmo fugindo, nunca saiu de mim,
E se esse marinheiro, galã, aventureiro,
Esse já não há,
Pois que lhe saiba cumprir com coerência,
Nos limites decentes da demência,
Nos limites dementes da decência,
E cumpramo-los todos!
Já agora, até ao fim
No que fazemos
Na diferença do que formos e dissermos
E perguntando, criando rebeldias,
Conferindo aquilo em que acreditamos ,
E que ainda formos capazes de sonhar.
E se aquilo que nos dão todos os dias,
Não for coisa que se cheire ou nos deslumbre,
Que pelo menos nunca abdiquemos de pensar,
Com direito à ironia, ao sonho, ao ser diferente,
E será talvez uma forma inteligente,
De afinal nunca, nunca,
nunca ser tarde de mais para de mais para viver,
nunca ser tarde mais para perceber,
nunca ser tarde demais para exigir,
nunca ser tarde demais para acordar!...” *
Pedro Barroso
* Este poema que te trago não foi transcrito, provavelmente não corresponde exactamente ao original uma vez que o escrevi a ouvi-lo cantado.
Para os interessados na obra de Pedro Barroso, para além dos livros por aquele autor editados aconselho o cd Navegador do Futuro do mesmo autor.
Por teres estado a ouvir, hoje não te mando os tradicionais cordiais cumprimentos, mas sim
Nunca fui muito dado ao desconhecido, ao irreverente, às luzes da ribalta, aos papeis principais, à liderança, à revolta, à luta, à ousadia…
Pelo contrário… Sempre gostei de ser discreto, de escolher muito bem os meus caminhos, de seleccionar e dar ouvidos a bons concelhos, de viver e de me rir das histórias de vida dos outros, das loucuras dos outros, da irreverência dos outros, de basicamente me alimentar das experiências dos outros, daqueles que me rodeiam e que formam aquele circulo mais apertado. Preocupado fundamentalmente em me reger pelas regras e pelos melhores princípios, e sobretudo em certificar-me sempre de que piso chão firme quando dou um passo, de que jogo sempre pelo seguro, para nunca me arrepender de nada do que faço, chego nesta altura, caro colega, à triste conclusão de que me arrependo de não ter vivido mais… É verdade que vivi, mas queria mais. Talvez para isso fosse necessário que tivesse tido a coragem de quebrar algumas das regras que me impus, que tivesse contrariado alguns dos princípios pelos quais me rejo e sempre me regi, talvez devesse ter flexibilizado esses mesmos princípios… Não sei… Talvez…
Também não vivi pouco é verdade… Considero-me boémio e bon vivant na verdadeira acepção da palavra, ou não fosse eu um estudante de Coimbra. Mas queria mais.. não sei… Hoje sinto que perdi algumas coisas que não queria ter perdido.
Mas em mim sempre viveu o sonho de marcar de alguma forma o meu tempo. De fazer algo grande, pelo menos maior que eu, e penso que em cada um de nós vive esse sonho. Mas a descrição que tanto gosto e de que não abdico limita-me as opções, depois a pessoa comum que sou, tão igual a qualquer outra, faz o resto e acorrenta esse sonho.
E já que fui invadido por uma maré de franqueza, e de sinceridade, continuando a desabafar, com o tom de voz de um derrotado, que amanhã será diferente, contar-te-ei também o que sonho eu…
Pois bem, arrependido que estou, quero agora então lutar por algo que considero grande, por uma Academia mais forte e mais unida, isso para mim seria grande (e na verdade, talvez seja tão maior do que eu, que é provável que não o consiga realizar). De uma conversa (com Adriano) surgiu uma batalha. Surgiram também aliados como Ary, Zeca, Aristides e nestes te incluis tu. E sonho que nos uniremos todos, e que faremos renascer uma Academia que sempre foi unida, e que constitui um todo de enorme valor, e com uma força infindável. É com isso que sonho.
Mas sonho mais… Em relação ao Processo de Bolonha sonho que nenhum estudante de Coimbra pague 1500€ nos últimos dois anos de curso, para que desse modo possa ter acesso à profissão que escolheu. Sonho que as cantinas não serão privatizadas, como diz o boato (e designo-o por boato porque é informação que não obtive de fonte fidedigna). Sonho que nenhum estudante deixe de estudar porque a família não pode suportar os custos de um curso superior. Sonho que nenhum estudante tenha que recorrer ao crédito para estudar. Sonho que esta Academia volte a ser vista como uma Academia combativa, defensora de direitos indispensáveis, protectora de quem representa e merecedora de respeito e de prestígio, e que esses sejam reconhecidos por toda a gente. Sonho que um dia, eu e tu lutaremos lado a lado, gritando slogans, não contra o Processo de Bolonha, mas contra os defeitos do Processo de Bolonha, e os prejuízos que nos trará. E sonho que a partir daí, tendo já consciência da nossa força, lutemos sempre que nos tentem retirar direitos de que não podemos prescindir. Sonho que quando houver uma manifestação de estudantes, essa não seja nosso tema de conversa banal e que nós não as desprezemos e as critiquemos muitas vezes sem fundamentos. Que cada um de nós lute pelo todo e não que uma pequeníssima minoria do todo lute por cada um de nós. E se isso não acontecer em relação ao Processo de Bolonha porque não consideras que esta seja uma guerra com fundamento, então que aconteça quando vires que te estão a ser retirados direitos, e quando vires que estão a ser retirados direitos a outros como tu. Se esta não for a tua luta, pelo menos que lutes quando achares necessário.
Penso que este era o meu maior sonho… Ver a Academia unida. Se não for contra o Processo de Bolonha, que o seja quando tiver que ser…
Na tentativa de que me compreendas melhor, deixo-te mais um poema de Pedro Barroso sobre os nossos sonhos:
“Cada um de nós nasce
Com um artista lá dentro
Um poeta, um escultor,
Um aventureiro, um cientista,
Um pintor, um arqueólogo,
Um estilista, um astronauta,
Um cantor, um marinheiro…
E o sonho e a distância
E o tempo e a saudade
Deram-nos vida, amor, problemas,
Mentiras e verdade,
E damos por nós mesmos
Descobrindo que agora se calhar,
Já é um pouco tarde…
E nas memórias velhas e secretas da menina
Morou sempre aquele sonho de um dia ser
Bailarina, actriz, modelo, princesa, muito rica, eu sei lá…
Mas os anos correram num assombro,
E a vida foi injusta em qualquer jeito
Para a chama indelével que ainda arde,
E os filhos… são bonitos no seu peito… Pois é…
Mas agora, agora já é tarde…
E nos papeis antigos que rasgamos
Há sempre meia dúzia que guardamos
São os planos da conquista do Pólo Norte
Que fizemos aos sete anos,
Escondidos no sótão uma tarde,
E estiveram perdidos trinta anos,
E agora, se calhar, maldita sorte,
Por desnorte, acaso ou esquecimento,
Alguém já descobriu o Pólo Norte,
E agora, agora pronto, agora já é tarde.
Há sempre nas gavetas escritores secretos,
Cientistas e doutores,
Desenhos e projectos construtores,
Feitos em meninos,
De tudo o que sonhámos fazer
Quando fosse a nossa vez…
Cientistas em busca de Plutão,
Arqueólogos no Egipto,
Viajantes sempre sem destino,
Futebolistas de sucesso no Inter de Milão!
E o curso da vida foi traidor,
E o curso da vida foi cobarde,
E o ciclo do tempo completou-se,
E agora, agora pronto, paciência,
Agora já tarde…
Agora é tarde,
Emprego, casa, filhos muito queridos,
Algum sonhar ainda com os amigos
Às vezes sair, beber uns copos para esquecer,
Ou para lembrar, e fazer ainda um certo alarde,
Talvez para esconder, ou para abafar,
Como é já tão demasiado, e tão impiedosamente tarde.
Mas não, não!
Nunca é tarde para sonhar.
Amanhã partimos todos para Istambul, Vladivostok,
Alaska, Oslo, Dakar,
Vamos à selva a Timor
Abraçar aquela gente
E às montras de Amsterdam,
Que eu afinal também não sou diferente…
Chegando a Tokio são horas de jantar,
E depois temos que voltar a Bombaim,
Passando por Macau e Calcutá,
Que eu encontro Portugal em todo o lado,
E mesmo fugindo, nunca saiu de mim,
E se esse marinheiro, galã, aventureiro,
Esse já não há,
Pois que lhe saiba cumprir com coerência,
Nos limites decentes da demência,
Nos limites dementes da decência,
E cumpramo-los todos!
Já agora, até ao fim
No que fazemos
Na diferença do que formos e dissermos
E perguntando, criando rebeldias,
Conferindo aquilo em que acreditamos ,
E que ainda formos capazes de sonhar.
E se aquilo que nos dão todos os dias,
Não for coisa que se cheire ou nos deslumbre,
Que pelo menos nunca abdiquemos de pensar,
Com direito à ironia, ao sonho, ao ser diferente,
E será talvez uma forma inteligente,
De afinal nunca, nunca,
nunca ser tarde de mais para de mais para viver,
nunca ser tarde mais para perceber,
nunca ser tarde demais para exigir,
nunca ser tarde demais para acordar!...” *
Pedro Barroso
* Este poema que te trago não foi transcrito, provavelmente não corresponde exactamente ao original uma vez que o escrevi a ouvi-lo cantado.
Para os interessados na obra de Pedro Barroso, para além dos livros por aquele autor editados aconselho o cd Navegador do Futuro do mesmo autor.
Por teres estado a ouvir, hoje não te mando os tradicionais cordiais cumprimentos, mas sim
Um forte abraço
Hilário
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